segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

"A gente tem uma vida... uma vida de babacas. Comemos, dormimos, transamos, saímos. Sempre a mesma coisa se repetindo... Cada dia é a repetição inconsciente do anterior: a gente come uma coisa diferente, a gente dorme melhor, ou pior, transa com uma outra pessoa, vamos a um lugar diferente quando saímos. Mas é igual, sem objetivo, sem interesse. Nós continuamos e nos determinamos objetivos materiais. Poder. Dinheiro. Filhos. A gente perde a cabeça tentando realizá-los. Mas, ou a gente nunca consegue alcança-los, e fica frustrada para o resto da vida, ou, quando consegue, percebe que não dá a mínima. Depois a gente morre. E fica com a boca cheia de terra. Quando a gente se dá conta disso, a vontade que dá é de encher logo a boca de terra, para não ficar lutando em vão, para pregar uma peça na fatalidade, para escapar da armadilha. Mas a gente tem medo. Medo do desconhecido. Do pior. Então, quer queira, quer não, a gente fica sempre esperando alguma coisa. Do contrário, já teríamos apertado o gatilho, engolido a caixa de comprimidos, pressionado a lâmina da navalha até o sangue jorrar..."

A vida é mesmo uma roda-viva, Chico Buarque. Mas mais porque ela roda, se repete e não sai do lugar.

Um fluxograma sem fim ao qual se sobrevive usando pequenos prazeres como subterfúgios pra mascarar sua completa falta de sentido.

Ser feliz com sua viagem de fim de ano pra praia parcelada em 10 vezes graças ao seu honesto salário de funcionário público que trabalha 10h por dia. Eu me recuso a acreditar que este seja o sentido da vida.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Olhos

Os únicos olhos que queria ver era o brilhante par de olhos de um ônibus vindo rapidamente em sua direção.

Microconto

TARA. Ela tinha tara em médicos. Mas era porque precisava de alguém que fizesse a cirurgia de tirar a angústia do peito.

Literatura Brasileira

Sorria com os olhos, que eram luzidios como uma manhã de Natal. Mas não era muito bom fitá-los; eram olhos de ressaca, facilmente poderiam arrastar-te e fazer sua mente se afogar em confusão.

Agora estavam secos. Não eram mais ressaca, eram só sertão; seco e sem vida. Eram opacos porque a luz se esvaiu.

Passou de Capitu a Sinhá Vitória em poucos capítulos da vida.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Procura-se

Tri-li-lim, tri-li-lim, tri-li-lim, tim tim.
Tri-li-lim, tri-li-lim, tri-li-lim, tim tim.

Ficava de ouvido ligado esperando o barulhinho dos metais se tocando em específica sintonia.

Tri-li-lim, tri-li-lim, tri-li-lim, tim tim.
Tri-li-lim, tri-li-lim, tri-li-lim, tim tim.

Era ele! Espera, moço, espera!

Arrastava o avô pela mão e agarrava as grades do portão olhando com muita ansiedade pr'aquele velhinho tão simpático. Às vezes nem queria tanto assim o cascalho (na maioria das vezes queria sim! Já tinha uma semana desde o último domingo) mas precisava olhar aquele rosto simpático que parecia tornar aquela massa seca amarela o cascalho mais gostoso e diferente do mundo.

Hoje em dia, o triângulo pode soar, mas será tim-tim tim-tim-tim, tri-li-li-li-li, tim-tim tim-tim tim-tim. Nunca será tri-li-lim, tri-li-lim, tri-li-lim, tim tim.

Como as luzes.

Antes o abajur de fibra ótica parecia mágica de David Copperfield e o abajur que acendia ao tocar eram sensacionais. Podia ficar horas ali (ou até alguém mandar parar de brincar com a lâmpada, ia queimar!).

Ou o Natal. Que é quase o mesmo que luzes, que é o mesmo que mágica.

Um dia você chega da escola com tarefas e no outro você tem uma árvore colorida e piscante num canto da casa. E depois disso, você vai dormir sem a escuridão total e comprar presentes pra pessoas queridas. Você tem algo que de 2 em 2 segundos muda totalmente as coisas ao redor e as deixa mais bonitas. Você tem papéis brilhantes, laços enormes e amor em pacotes coloridos. Você tem pequenos sonhos infantis que aparecem embaixo daquela árvore piscante e comidas gostosas que enchem uma mesa, olhos e estômagos a perder de vista. Se isso não é mágica, não sei o que é.

Chega um dia e você percebe que não chora mais em A Estrelinha Mágica. Que você não vê mais graça nas luzes piscantes. Que você não se importa mais em correr pra apertar o botão do elevador antes de alguém. Que aquele velhinho simpático provavelmente morreu e nada mais vai ter o gosto daquele cascalho.

É aí que você chora porque tiraram toda a mágica que tinha no seu mundo.

Quem cometeu tamanha crueldade?






Pecado Capital

Confesso a mim e a quem quiser: tenho inveja.

Felizmente, acho que por dois motivos não serei expiada por isso: 1) não acredito em uma figura pré-moldada de Deus; 2) ela não tem objeto único e direcionado.

Invejo a criança que reclama do dever de matemática, da professora chata, do 7 que tirou na prova de Ciências. Invejo a pré-adolescente sofrendo pelo amor platônico que não a nota. Invejo o adolescente pressionado para passar no vestibular e que se julga incompreendido porque seu amor-de-toda-a-vida lhe deixou. Invejo-os dentro de sua ingenuidade genuína e arrogante. Eles tem certeza de algo, que pode ser bobo, errado e patético. Mas eles tem certeza.

Invejo os muçulmanos xiitas. Invejo os monges budistas. Invejo os empresários e corruptos adoradores do dinheiro. Eles tem uma justificativa para seus atos e um motor para suas atitudes. Pode ser equivocado, fútil ou prosaico, mas eles têm algo a que se agarrar piamente e que lhes dão força para agir.

Invejo principalmente as balzaquianas. Elas são obrigadas a lidar todo dia com uma imagem irremediavelmente decadente no espelho ao mesmo tempo que têm de trabalhar, criar os filhos e tentar parar o tempo. Algumas também têm até de cuidar de marido e casa. Além, claro, de conter os hormônios e se convencer de que a atenção recebida é suficiente para suprir sua necessidade de receber amor, paixão e colo enquanto têm de dar colo, ser ombro forte e demonstrar amor.

Queria uma ingenuidade pra me dar uma arrogante certeza de alguma coisa. Queria um motivo qualquer pra me motivar a fazer qualquer. Queria força suficiente pra me convencer de que o que tenho me basta, não é preciso colo ou amor. Mas não tenho. Então invejo.

É melhor uma ilusão que te motiva do que uma realidade aterradora.

Porque você tem de ter algo concreto em que se agarrar quando tomar consciência da grande falta de sentido que é lutar uma vida inteira por alguma coisa e no final simplesmente um amontoado de células decompor-se-á embaixo da terra fazendo o que todos os animais devem fazer: ser parte do ciclo da natureza.

Sem grandes missões, sem grandes atos de heroísmo. Um dia percebemos que isso é coisa dos romances. Todos os grandes homens que você admira estão mortos ou morrerão. E em nada vai diferenciar ser grande ou pequeno, rico ou pobre, crente ou infiel, santo ou pecador, quando os vermes comerem seu corpo.